terça-feira, 25 de julho de 2017

Da Rotina

Com as mãos pálidas e trêmulas girou o registro do chuveiro. Suavemente a água começou a percorrer seu corpo, penetrando vagarosamente em cada fibra de seu cabelo emaranhando, seguindo o curso, cada partícula contornava as curvas de seu rosto e corpo. Permanecia de olhos fechados, diante da água que escorria, gostava de imaginar que a água levaria embora seus pensamentos.
Pensava no trajeto da água; desde a nascente, até ali, em seu chuveiro e por fim o ralo. Pensou na vida, e nos rios que nossas vidas são; as vezes profundos, as vezes rasos, poluídos e com águas desconhecidas. Pensou no seu sangue como rio, pensou em toda sua geração, a que a antecedera e a que estaria por vir. Seriam eles tão tristes quanto ela? Ali, estática sobre o azulejo do banheiro, recebendo a água em seu corpo, tentando se livrar da sujeira que sentia, por ser diariamente violada.
O que é o corpo de uma mulher em nossa sociedade? Por muitas vezes se perguntava. Ensaboava os braços, os seios, barriga, vagina, nádegas, pernas e pés. Não conseguia se lembrar de uma parte sequer em que nunca fora sexualizada. Em como muitas vezes trataram seu corpo; corpo escravo, sujeito aos desejos de outrem, e percebeu... Sua escravidão ia além do corpo, e penetrava sua alma. Um reflexo, intrínseco, das violações que o corpo sofrera ao longo da vida. Sentia dor.
De outro lado estava ela com sua xícara de café fria. As cartelas de antidepressivos jaziam vazias no lixo ao lado da cama. Nunca usara a escrivaninha que comprará, nunca conseguira se prender aos métodos fixos e permanecia assim, intransigente com a vida. Se tivesse cigarros, provavelmente fumaria um pensando em quantos minutos de sua vida perderia em cada trago. Pensaria na fumaça entrando em seu corpo, e os caminhos que a levariam até o túmulo. Escrevia para aliviar os medos e sobretudo, a dor. Criar personagens a deixava menos solitária, contudo, as vezes era necessário mata-los. Lhe parecia que ao matar se despedia de algumas partes de si mesma, os enterrava em linhas de um documento aberto em seu computador. Digitava, digitava, e com isso, sua dor parecia menor.




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