sábado, 20 de novembro de 2010

O gato


As gotas de chuva deixavam impressões digitais azuis na janela daquele pequeno apartamento, apenas mais um em meio à massificação cinza da cidade. A porta se abre, dando espaço a mistura tempestuosa de cheiros: a roupa molhada, as paredes emboloradas e o cheiro de gato.
Era um felino gordo, de pelo alaranjado e aparência graciosa. Este agora esticava-se preguiçosamente sobre o sofá verde desfiado e em um salto sutil veio até a porta ronronando. A moça de pele clara, anêmica, passou os dedos compridos e suaves no dorso do gato, o qual retribui com uma dança majestosa em torno de seu jeans molhado. Bóris, era como ela o chamava, ela não se lembrava de onde surgira tal nome, mas este era um detalhe irrelevante. Existia algo muito mais além diante da simplicidade de nomear, ele era o único ser que fazia com que o amor fosse algo acessível para Rita. Aproximou do corpo trêmulo e úmido seu único amigo, apertou o contra o peito, na esperança de fundir-se a este, e agora o carpete manchado aos poucos ia tornando se encharcado não somente pelas vestes encharcadas, mas também pelas lágrimas irônicas de Rita, irônicas pois em seu âmago não existiam lágrimas, há muito ela estava seca.
Como por um excesso de caricia, o felino soltou um miado abafado e escapou dos braços de sua dona. Entretanto Rita não aceitava esse título; dona. Para ela existia algo que a igualava a Bóris, algo indecífravel. Decidiu não falar, as palavras não teriam sentido para as paredes de seu apartamento. E tentava ficar cega perante seus sentimentos, no seu intimo sabia que por mais que seu gato parecesse corresponder seus sentimentos ela estava totalmente fadada à solidão e aos desejos platônicos.

Um comentário:

Yu disse...

Uma história bem interessante, sobre uma senhora que vive só com seu gato, o qual é seu único companheiro. Esse aspecto é muito comum nos dias de hoje, a sociedade corrida, fria e automática, pessoas que mal olham para os lados, apenas preocupadas no que consumir e o que lhe convém.
É uma realidade triste que não é sua, não é minha, mas é de âmbito geral.
PARABÉNS! Gostei muito do texto ^_^