Tudo naquele lugar parecia estar coberto por uma espessa
camada de poeira envelhecida, para Lilya a loja de antiguidades de sua família
sempre fora um ambiente intrigante e macabro; onde lembranças das mais variadas
pessoas e dos lugares mais improváveis, permaneciam inertes - a espera de algo.
Seus olhos castanhos percorriam o pequeno recinto povoado
por cucos alemães, móveis vitorianos, caixinhas de música e prateleiras lotadas.
A sensação de voltar àquele lugar lhe era muito catártica, em vinte anos nada
mudara - a não ser por um ou outro objeto que tenha entrado ou deixado a loja –
o cheiro de livros envelhecidos, fumo e madeira ainda dissipavam suas partículas
no ar. Provavelmente não voltaria ali por livre e espontânea vontade, mas com o
falecimento de seu avô fora incumbida de decidir o que fazer com essa pequena
loja de artefatos. Não lhe era claro o motivo exato do desconforto em que
sentia em estar naquele lugar, em seu íntimo imaginava que estaria relacionado
com a ideia de estar rodeada de histórias e memórias desconhecidas. Com o
intuito de superar essa sensação concentrava-se em suas próprias memórias
particulares de cada uma daquelas peças.
A primeira lembrança que vinha em sua mente era a de seu avô
sentado em uma cadeira grande e vermelha, a qual empurrava vagarosamente para
trás quando desfrutava seu alcatrão. Em suas memórias de menina, lembrava-se da
fumaça subindo até o teto rústico de madeira e dissolvendo-se em cada fresta
dos armários. Quando isso ocorria, sua mente curiosa leva seu corpo até os artefatos
expostos em cristaleiras.
Por vezes, passava horas tentando inventar histórias para
como cada um daqueles objetos chegara até ali, deveria ter por volta de oito
anos nesta época. Fantasiava que quando todas as luzes se apagavam a cristaleira
de bonecas ganhava vida, como na história do Soldadinho de chumbo ou até mesmo
do Quebra-nozes. Seu eu adulto, revivia esses detalhes enquanto perambulava
pela sala entulhada de coisas até que se deparou com a cristaleira. O tempo
parecia não ter chego ali, nenhum objeto fora vendido, nem algum outro
acrescentado a coleção. Olhava para aquelas figuras feitas a imagem e
semelhança de seus criadores e indagou-se se não seríamos todos bonecos e
bonecas.
Entre marionetes, soldados de chumbo, bonecas de pano, porcelana
e madeira, quis olhar para dentro de si e novamente se questionou; “Se eu fosse
uma boneca, do que eu seria? Como eu seria? O que sentiria?”.
Olhando para aquela porção de bonecas, sentia-se
familiarizada com uma pequena matryoshka de porcelana pintada à mão. Provavelmente, se fosse
uma boneca seria como ela; milhares em uma, de uma fragilidade desconhecida em
relação a sua estrutura até que o impacto com o chão lhe atinja, tornando mesmo com a cola mais potente, um reparo irremediável as cicatrizes de sua vida. Desde pequena sempre teve medo de bonecas, em
seu âmago sempre lhe pairou a sensação de que almas de outras crianças
estivessem presas naqueles olhos de vidro, plástico ou de botões.
Em algum lugar de sua mente memórias de seu avô tomavam
forma; lembrava-se da feição brava daquele ancião robusto lhe dizendo para não
mexer em nada, principalmente nas bonecas. Era irônico, agora era uma mulher, e
mesmo assim ainda tinha medo de bonecas. Lilya esperou ouvir a voz rouca de seu
avô lhe repreendendo, contudo, encontrou apenas o silêncio que foi quebrado por
uma antiga caixinha de música.
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