quarta-feira, 30 de outubro de 2013

Coisas Mortas

O sol a pino tornava sua caminhada exaustiva, os cadernos escorregavam de suas mãos devido ao suor e a alça de sua bolsa constantemente deslizava de seu ombro, a cada passo o asfalto parecia derreter debaixo de seus pés; naquele instante seu maior desejo era chegar a sua casa.
Atravessando uma rua de contrastes - a beira de um córrego com casebres de madeira mal estruturados, que concomitantemente contornavam casas exageradamente imensas – se deparou com um menino muito sujo fitando a calçada de um terreno baldio. Os pés e mãos estavam sujos de terra, usava uma roupa surrada, tinha um graveto em mãos, o qual usava para cutucar o que até então lhe parecia terra.
Seguindo a lógica de um pensamento fechado, foi seguindo seu caminho, continuando a jornada de regresso, até que fora interrompida pelo chamado do garoto.
- O tia! Você pode me ajudar?
Para quem sempre a doçura das crianças fora algo impossível de negligenciar, se aproximou e perguntou:
- O que você precisa?
Segurando o graveto ainda, apontou em meio a terra; havia um passarinho morto ali.
- Me ajuda a enterrar esse passarinho?? Não quero deixar ele aí...
Imediatamente confirmou a ajuda ao menino, e juntos começaram a cavar um pequeno buraco. Com uma folha, pegou o passarinho, e como se este estivesse apenas em um sono profundo, fizeram uma pequena cama para ele dentro do buraco. Cobriram com terra e enfeitaram com algumas folhas, pedras e flores. Fizeram silêncio, não era necessário dizer nada.
A garota se despediu do menino e seguiu seu curso, durante este trajeto, pensou inúmeras vezes no motivo do menino ter feito aquilo; enterrar um ser-vivo qualquer, sem quais quer vínculos. Talvez o garoto não sentisse o peso dos anos ainda, talvez não sentisse as coisas mortas para se enterrar existentes no âmago das pessoas grandes, talvez ele fosse mais humano, ao conseguir olhar para outro ser e querer que este tivesse um ritual de passagem bonito, talvez só conhecesse melhor que todos que a vida é uma coisa muito frágil.  

Certamente, ela nunca acharia uma resposta esclarecedora, mas depois daquele dia, todas as vezes em que se deparou com as coisas mortas de seu cotidiano, sua mente buscava o pequeno garoto na memória e assim, procurava um rito de passagem, mais bonito, sensível e humano. 

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